... a debela que abriu outras feridas.
foi
pouco mais de um mês... primeiro parecia uma eternidade, depois quis que a
eternidade permanecesse intocável, se estendesse por mais uma eternidade. Se
quiser ser mais precisa, recuo um pouco mais, vendo bem, foram alguns meses.
Lembro-me
do dia em que tive a certeza que a escolha tinha sido a certa; se foram as
palavras, os gestos ou mesmo um simples desenho a ilustrar o que comigo se
passava, não sei. Mas a atenção, o cuidado, a explicação dada como se fizesses
questão de dissipar todas as minhas dúvidas e inseguranças, foram
determinantes. Tudo diferente das anteriores experiências, sempre a valorizar
cada ponta de ansiedade que a partir daí deixou de existir. Depois encontrei
uma notícia, dos tempos de Timor, uma criança atingida por uma pedra e a forma
como descreveste que tu e a tua equipa a conseguiram salvar. Tive a certeza que
também me irias livrar da minha aflição. Tudo foi importante, e é importante
que o saibas.
Nada
pode ser insignificante se nos causa desconforto. Noites sem dormir que se prolongam
porque temos o coração a bater forte, isso sim, mas nunca porque aquela dor
acutilante e insistente não nos larga. Que se acorde sobressaltado, que seja
porque tivemos um sonho bom (ou o contrário) mas que logo de seguida se solte
um suspiro e se volte a adormecer.
Sei
que vai ser passageiro, que estes meses, semanas ou dias que quero que fiquem
sempre presentes não vão deixar de ser meros marcadores no pó dos livros, mais
cedo ou mais tarde, livros esses aos quais, por vezes, volto e releio só breves
trechos.
Mas eu
merecia que não estivesses só de passagem na minha vida, sinto que fui melhor e
maior e que o poderia ser por muito mais tempo se ficasses, aprenderia mais com
as tuas histórias, com as emoções que sei que vives dia após dia. Essa
disponibilidade de quem optou por estar ao serviço do bem estar de todos, esse
esforço e essa dedicação que eu sei que nem todos os teus pares erguem num
porta-estandarte e que os que ajudas nem sempre sabem reconhecer.
E eu
dou graças por teres escolhido ficar entre nós, cantinho cinzento e triste que
nos faz caminhar sempre com algum pesar mas que em certos momentos também nos
põe um brilho nos olhos, por exemplo, quando à nossa frente vemos a imensidão do
mar, este atlântico que une as terras a que chamamos pátria.
Gosto
de olhar para o céu e pensar que podes ser tu que ali vais, quando te aventuras
lá no alto, naquele pássaro gigante sempre vigilante, a postos para chegar onde
é preciso o mais breve possível, antes mesmo que seja tarde. Como vingador das
horas más, anjo branco de finas luvas, salvador de corpos mas sobretudo de
almas, todo o teu saber fica ao nosso dispor para nos reerguermos mais fortes.
Tive tanto tempo
para pensar, tanto tempo para imaginar que nesta roleta russa as regras ditam
que é o destino quem manda, não adianta reunir forças porque não tenho como inverter o curso de um guião já traçado. E caso
me quisesse esquecer, esse aro brilhante que expões com orgulho evidencia bem o
laço que te prende a quem prometeste amizade e partilha por toda a vida. E és
ainda MAIOR quando te divides em mil para que a atenção e o auxílio cheguem a
todos.
E
aconchego-me nas lembranças, nas memórias, nos pormenores, nos detalhes, dificilmente
me iria esquecer de algum: uma festa na mão, as cócegas no dedo, um toque no
pescoço no dia em que a febre subiu e nos pôs alerta e principalmente o tom da
tua voz calma, serena, a pacificar o meu espírito.
Se te
ofereci “Sei de um rio” é porque no curso destas águas passadas houve
turbulências que ajudaste a amainar e indicaste as estrelas que haviam de me
guiar para me levar a bom porto. Agradeceste e disseste que gostaste. Ainda
bem. E sorri, por dentro. E agora vais para longe, num descanso merecido, uma
pausa no contacto com o resto do teu mundo. Acho bem. Acho muito bem.
Está
tudo entendido, clarificado, apaziguado. E só escrevo porque não to posso
dizer, porque tenho medo que não compreendesses, mais uma vez porque o padrão
estabelecido me iria atirar para a prateleira dos rótulos pouco dignos, porque
temos de continuar a agir segundo o que esperam de nós, porque não podemos
simplesmente gritar que ALGUÉM É IMPORTANTE
PARA NÓS, só porque sim, sem querer dizer nada mais. Será por isso que não é
fácil tecer um elogio a alguém apenas porque o consideramos um ser humano
GRANDE!?!
… quem
sabe um dia não nos voltamos a cruzar, numa curva do destino? E eu, finalmente
te direi, que não foste apenas mais uma pessoa de passagem fugaz, figuras na
lista das que foram importantes, mesmo que os instantes tenham sido breves.